terça-feira, 18 de maio de 2010

Transtorno

É sabido, o Algarve sofre de Transtorno dissociativo de identidade.

É um mundo de sol e praia, de hordas saltitantes em discotecas da moda. É um marasmo sem fim.
É terra de aldeias que olham os de fora como foras-da-lei a entrar em saloons. É Odivelas à beira-mar.
É Marrocos. É west Coast.
Alberga engarrafamentos dignos de segunda circular. Tem ciganos em carroças, caminhos de cabra e pavimentos de macadame.
Tem paisagens lunares, campos de pó e calhau. Vende greens de golfe .
Há casas onde se chega de helicóptero. Tem lugares onde não se chega.
Degustam-se estrelas Michelin. Come-se cabeça de borrego e açorda de galinha.
Planta avenidas com palmeiras egípcias. Colhe alfarroba de árvores meio-mortas.
Deleita com amêndoa e figo. Estranha com pizza de conquilha.
As palmeiras de sempre morrem com o bicho egípcio. Os sobreiros morrem não se sabe bem de quê.
Tem, nos postais, velhas de negro e burros. Tem, nas escolas, miúdos louros de nome alemão que falam com o sotaque dos velhos.
É All. É Al.
É seco como uma ampulheta. Molhado, os lençóis de água provocam despistes.
O mar come as ilhas. As ribeiras comem a estrada.
Une hotéis com carreiros esburacados. Serpenteia alcatrão novo na serra, entre uma corte deserta e um entroncamento.
Não o suportam. Adoram-no.

Estrada no interior, concelho de Vila Real de Santo António, Março de 2010

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