quinta-feira, 31 de março de 2011

A Etiópia dos copiadores

O aparecimento da Fotografia dá-se num quadro de acelerado e competitivo desenvolvimento tecnológico. Não é estranha a sua quase simultanea descoberta por diversos processos e em locais distintos, nem a sua rápida expansão e o seu constante melhoramento técnico. O século dezanove é um período de enorme fé na ciência e no poder da máquina, e é aí que a fotografia se insere, entre o poder do aço que se instala, as máquinas que tomam posse da produção, os químicos que constroem um mundo novo, a electricidade que avança para os lares.


O seculo dezanove é igualmente um século de nacionalismos, de imperialismo, e de ideologias que nascem e tentam afirmar-se. É um período de grandes e muitas guerras, e nestas o progresso técnico é aproveitado. Seja com o recurso ao aço que substitui o bronze nos canhões, seja com a produção de armamento estandarizado que melhora significativamente a logística, seja a introdução do motor a vapor e da couraça nos meios navais. Ensaia-se a matança industrial que caracterizará os conflitos globais do século seguinte.

E aí, a Fotografia não fica à margem. Desde logo, pela tentação de registar os conflitos. Passados poucos anos da publicitação do daguerreótipo, e andando ainda a técnica longe de tornar a tomada de imagem algo prático, veêm-se os esforços de Fenton, Robertson e Beato na cobertura da distante Guerra da Crimeia, em que uma estranha coligação de britânicos, franceses,italianos e otomanos se opôs ao expansionismo russo, em terras da actual Ucrânia. Na década seguinte, a guerra civil americana foi amplamente registada por fotógrafos como Mathew Brady, Thomas Roche e Alexander Gardner.

Mas, aparte esta vertente documental, a Fotografia foi rapidamente acolhida também como um instrumento militar. Na Campanha da Abíssinia de 1868/69, a força expedicionária britânica faz-se deslocar pela Etiópia com o primeiro contingente fotográfico militar, constituído inicialmente por sete homens encabeçados pelo Sargento John Harrold, pertencente ao batalhão dos Royal Engineers. Curiosamente, a sua principal função não consistia na recolha de imagens para a guerra de propaganda ou para efeitos de reconhecimento, como seria de esperar em função do que aconteceu em guerras posteriores. O seu propósito central era copiar fotograficamente os mapas, os esboços e as instruções militares que foram sendo elaborados ao longo da expedição, de forma a fazer circular a informação pelos muitos milhares de homens que compunham as forças britânicas. No essencial, os fotografos dos Royal Engineers eram fotocopiadores. Para isso se fez transportar equipamento, químicos e papel em grandes quantidades, por um país terrivelmente montanhoso, sem estradas nem grandes vias fluviais.

Mas, no meio das imensas cópias de documentos informativos, os militares foram procedendo a um dos primeiros registos fotográficos do Corno de África e do terrível desafio logistico que é pôr um exército moderno em movimento. Recorrendo a uma única câmara Dallmeyer, que havia sido levada com o propósito de realizar alguns retratos, e utilizando a difícil técnica do colódio húmido, estes fotógrafos burocratas, extravasaram os limites estritos da sua missão e deixaram-nos algumas dezenas de espantosas imagens de uma Etiópia áspera e árida.


Fotógrafos dos Royal Engineers, Torre de Addigerat, Etiópia, 1868/69
imagem obtida aqui

 Fotógrafos dos Royal Engineers, Porta Kokit Bur, Magdala, Etiópia, 1868/69
imagem obtida aqui

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