sexta-feira, 10 de maio de 2013

Os crânios de Arthur Rothstein

Russell Lee, Arthur Rothstein,
Washington, Janeiro de 1938
imagem obtida aqui

Arthur Rothstein foi um fotógrafo norte-americano que pertenceu à talentosa equipa do departamento de informação da Farm Security Administration.

A FSA foi uma agência norte-americana criada durante o governo de Franklin Delano Roosevelt, no âmbito do seu New Deal, designação que englobava um conjunto de medidas de intervenção directa do Estado na economia, visando combater a chamada "Grande Depressão".
A função específica da FSA era combater a pobreza rural e provavelmente teria caído no limbo do esquecimento, como outras entidades burocráticas do período, não fosse o facto de ter tido precisamente um departamento de informação, dirigido por Roy Stryker.

A existência desse departamento devia-se ao facto de ser necessário garantir o apoio público às iniciativas do governo Roosevelt, que enfrentava forte oposição republicana (esta defendia que a melhor forma de combater  a crise era através de uma rigorosa política orçamental e de desregulamentação, abstendo-se o Estado de uma intervenção directa e sistemática). Stryker fez-se rodear duma equipa de fotógrafos e encaminhou-os para as áreas rurais com a missão de documentar os efeitos devastadores da crise e os planos em curso do governo. As fotografias deste grupo notável eram posteriormente encaminhadas para os jornais e campanhas públicas. A sua qualidade acabaria por ser marcante e é referência no campo da história da fotografia e do imaginário norte-americano. 
Mas a acção da FSA e do seu departamento de Informação foi, à época, controversa. Se para os detractores de Roosevelt, a política de apoios públicos a sectores em grandes dificuldades era inaceitável, o financiamento estatal dum projecto fotográfico daquela natureza era simplesmente um ultraje. E comparações entre os objectivos da FSA e a forma como governos totalitários da época, como os sistemas  soviético e nazi, controlavam e manipulavam a informação não deixaram de aparecer no debate público.
Consciente disso, Stryker procurou colar a acção dos seus colaboradores a uma perspectiva documental. Embora o tipo de imagens procurado e divulgado fosse determinado e controlado, visando expor o lado mais miserável da América em plena Grande Depressão, e a implementação de iniciativas do New Deal, Stryker solicitava que se evitasse a encenação e manipulação das ocorrências. Os seus fotógrafos deviam registar factos reais e interferir o mínimo no desenrolar dos eventos.

Como dito anteriormente, Arthur Rothstein fazia parte da equipa da FSA e, na Primavera e início do Verão de 1936, andou pelos Estados centrais  americanos em trabalho. E esse foi um ano sensível. Por um lado, a o país parecia castigado não só pela crise económica, como pela inclemência da natureza e do clima. Uma seca catastrófica mataria as colheitas e parte do gado nas grandes planícies, ventos inclementes criariam tempestades de poeira a partir da terra seca, e pragas de gafanhotos e roedores destruiriam o que sobrara. Por outro lado, esse era o ano em que Roosevelt lutava pela reeleição e pela continuação do seu plano de recuperação, e todas as polémicas e escrutínios afloravam nos jornais.
Rothstein conseguiria nesse ano algumas das suas mais significativas imagens, registado as tempestades de poeira e as vagas de agricultores arruinados que rumavam ao Oeste em busca de melhor sorte, um fenómeno que o escritor John Steinbeck registaria mais tarde, e de forma magistral, no romance "As vinhas da Ira". Arthur Rothstein acabaria porém, de forma inadvertida, por se ver colocado no centro das lutas políticas entre apoiantes e opositores de Roosevelt.

Arthur Rothstein,
Filho de agricultor durante tempestade de poeira,
Oklahoma, Abril de 1936
imagem obtida aqui



Arthur Rothstein, 
Carroça moderna a caminho do Oeste em busca de trabalho,
Dakota do Sul, E.U.A., Junho de 1936
imagem obtida aqui






Arthur Rothstein,
Maquinaria em quinta abandonada,
Oklahoma, Abril de 1936
imagem obtida aqui

Em Maio, ao passar pelas Badlands do Dakota do Sul, encontrou um crânio de boi ressequido e decidiu fazer uma série de imagens conjugando a ossada com a aridez daquelas terras pobres e exauridas por pastagem excessiva. Fez cinco imagens com disposições diferentes e depois encaminhou os negativos para a sede.

Arthur Rothstein,
Crânio de boi esbranquiçado em terra terra queimada pelo sol,
Dakota do Sul, E.U.A., Maio de 1936
imagem obtida aqui


Arthur Rothstein,
Crânio de boi em pastagem remota e esgotada,
Dakota do Sul, E.U.A.,  Maio de 1936
imagem obtida aqui


Arthur Rothstein,
Pastagem sobreexplorada, 
Dakota do Sul, E.U.A.,  Maio de 1936
imagem obtida aqui


Arthur Rothstein,
Pastagem sobreexplorada,

Dakota do Sul, E.U.A.,  Maio de 1936

imagem obtida aqui


Arthur Rothstein,
Terra gretada e seca,

Dakota do Sul, E.U.A.,  Maio de 1936

imagem obtida aqui

Mais tarde, um editor da agência Associated Press ,  sem prestar grande atenção à legenda de Arthur Rothstein, tomou uma das fotografias como um exemplo da seca que atingira o pico nesse Verão, e assim a fez difundir pela imprensa nacional.

Os editores conservadores do The Fargo Forum, Jornal da maior cidade do Dakota do Sul, ao observarem uma cena comum após o degelo naquelas paragens , mesmo em anos de bonança, ser apresentada como prova de seca extrema, deram início a uma série de artigos que pretendiam expor o desperdício de dinheiros públicos na criação dum embuste.

Recorte do jornal The Fargo Forum, 1936
imagem obtida
aqui


Com a divulgação das outras imagens da série as críticas subiram de tom na medida em que ficou evidente que tinha havido manipulação das ossadas para acentuar o dramatismo. A polémica saiu das fronteiras de Fargo, tornou-se nacional e levou a que um porta-voz da FSA tivesse que vir publicamente defender que não se tratara de uma falsificação, e que todas as movimentações do crânio se haviam dado num raio de dois metros, descartando uma verdadeira encenação como pretendiam os críticos.

Mas o facto é que houvera uma saída dos padrões documentais que a agência invocava.
As razões que estão por detrás desta variação ao método de trabalho documental que era padrão na FSA são pouco claras e vagas. Numa entrevista muito posterior, o autor das imagens defendeu-se dizendo que as encarara como um exercício formal, tentando conjugar a texturas do crânio e da terra, as rachas do solo, a luz e seu movimento este-oeste à medida que o dia avançava. Outra hipótese avançada seria a de que Rothstein usara a ossada para introduzir uma noção de escala, uma vez que, em correspondência com Stryker, este se queixara do carácter impreciso e abstracto das suas paisagens anteriores. E James Curtis, um investigador bastante crítico da pretensões de neutralidade documental da FSA, avança com ideia de que Arthur Rothstein fizera as imagens com o propósito de as usar mais tarde na promoção do filme “The Plow that Broke the Plains” .

Para a generalidade das pessoas, esta polémica parece hoje fútil e apenas explicada pelo calor da luta política naquela campanha eleitoral de 1936. Os resultados da controvérsia seriam nulos, Roosevelt ganhou por larguíssima margem ao seu opositor, e o tempo ajudou a repor as coisas em devido sítio.
Se, de facto, não nos parece sustentável dizer que o projecto da FSA estava imbuído de estrita neutralidade documental, comparar a acção do seu departamento de Informação às máquinas de propaganda dos regimes soviéticos e nazi é simplesmente um delírio. 

Afinal, a grande acusação do The Fargo Forum era a de que Stryker e os colaboradores estavam a forjar imagens duma seca severa e histórica que estava de facto a acontecer.

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